MINERADORAS E NOSSAS ÁGUAS
um círculo vicioso de subdesenvolvimento

Há poucos dias, viajei de Belo Horizonte para Montes Claros/MG, uma viagem de cinco que se transformou em oito horas, e diria: com muita adrenalina! Foi um verdadeiro rali Paris-Dakar. Vi mais de quinze automóveis quebrados na beira da pista, pois a rodovia estava toda esburacada. O asfalto em péssimo estado de conservação revela a realidade das nossas estradas tão mal construídas. Uma fina capa asfáltica de uns cinco centímetros não agüenta o peso das enormes carretas que trafegam pelas rodovias, normalmente, com excesso de peso. Exemplo disso são as carretas que têm autorização para transportar somente 95 metros de carvão, mas trazem, quase sempre, de 10 a 13% a mais, desrespeitando leis. Carvão produzido do que resta das nossas matas nativas ou de eucalipto, e que vai ser consumido nas grandes siderúrgicas que produzem ferro e aço para exportação, primordialmente.
Diante do perigo, esperando chegar incólume no destino, meu sangue fervia de indignação contra as mineradoras, principalmente as multinacionais. Por quê? Arrancam o coração, os pulmões, o estômago e todo o intestino das montanhas de Minas Gerais, e numa voracidade avassaladora vão sugando, como vampiro, os minérios que a Criação gestou ao longo de milhões de anos. A preço de banana, o minério é transportado em trens até o porto de Vitória e dali vai calçar estradas (e “infra-estrutura”) do Primeiro Mundo, deixando as nossas montanhas como um dente cariado, os mananciais completamente mortos, o povo com sede, os córregos e rios poluídos e os recursos das gerações futuras comprometidos. Ou para lembrar Drumond, o poeta maior: “Olhe para as montanhas e sinta vergonha!”
Em Governador Valadares/MG, também recentemente, vi um trem, escorregando nos trilhos, superlotado de minério brasileiro. Era tão grande que mais parecia uma imensa serpente, da qual se vê a cabeça mas que não se sabe quando vem o rabo. Aquele enorme comboio não terminava nunca. Contei 178 vagões e fiquei engasgado de tristeza ao ver nossa riqueza sendo levada para fora da nossa pátria. Um Sem-Terra, acampado na beira da estrada, me disse: “Todos os dias, passam aqui vários trens como esse, levando nossas riquezas para sustentar o alto padrão de vida dos privilegiados do mundo.”
Esses fatos recentes me trouxeram de volta lembranças de outros tempos. Quando estudava nos Estados Unidos, observei que a maioria das estradas do Estado do Texas era muito melhor e mais ampla do que a Via Anhanguera, orgulho das rodovias brasileiras (embora esteja hoje privatizada e com oito pedágios a preços escorchantes). Ao transitar por uma daquelas rodovias do Texas, com mais de dez pistas, lisas e, aparentemente, seminovas, tive a sensação de estar deslizando sobre um tapete para a entrada das noivas nas igrejas em casamento de gala.
Mineiramente, sabendo, fingindo não saber, indaguei: “Esta rodovia foi construída neste ano?” Um estadunidense, meu interlocutor, respondeu-me: “Não! Essa rodovia foi construída há 30 anos.” Surpreso, exclamei: “Mas como pode estar tão nova assim, sem nenhum sinal de desgaste.” “São bem construídas e conservadas”, resumiu a conversa, meu anfitrião.
Continuando a viagem, acabamos passando por uma nova estrada em construção. Aí, descobri o segredo: uma base de uns 20 a 30 centímetros de trança de ferro grosso com cimento dá sustentação a um asfalto de uns vinte centímetros de espessura. Espantado, concluí, no meu coração: com tanto ferro, cimento e asfalto, pode passar uma carreta de duzentas toneladas que não arrebenta esse asfalto. Perguntei: “De onde vem tanto ferro para calçar as excelentes rodovias estadunidenses?” Meu anfitrião, um pouco envergonhado, acabou confessando: “Todo esse ferro vem do Brasil, seu país. Temos lá mineradoras que nos fornecem matéria prima a preço muito econômico.”
Conclusão: Aqui no Brasil, dezenas de milhares de mortos em acidentes de trânsito todos os anos, conseqüência, principalmente, do péssimo estado das estradas brasileiras. Os automóveis se tornam imprestáveis dentro de pouco tempo. As multinacionais automobilísticas e fabricantes de pneus “explodem champagne” com isso, pois aumentam suas vendas. Em contrapartida, nos Estados Unidos, o povo viaja tranqüilo, conservando o automóvel por muitos anos e pagando quase nada pelo petróleo e pelo minério de ferro que constroem as rodovias do Primeiro Mundo. Realmente “há uma relação entre todos os fatos”, como afirma e reafirma o filme A Casa dos Espíritos.
É por essas e outras que acho que já passou da hora de não ficarmos apenas embasbacados com essas injustiças, patrocinada pelos mega interesses econômicos em conluio com muitos dos nossos dirigentes públicos. Em nome do Deus, que valoriza a dignidade humana e toda vida dos ecossistemas, devemos dar-nos as mãos para transfigurar essa realidade. Enquanto os países ricos tiverem o minério de ferro e o petróleo, praticamente de graça, para construírem suas estradas eternas, toda a infra-estrutura de desenvolvimento econômico, a troco da depredação ambiental e da exploração da população dos países empobrecidos, meros fornecedores de matéria prima, estaremos impossibilitados de integração soberana no mercado internacional. Estaremos sempre correndo atrás do prejuízo, dos pneus furados, dos carros quebrados, da perda precoce de tantas vidas nas estradas, do ecossistema destruído de forma irreversível para garantir as divisas na exportação.
É hora de união e organização para impedir que novos estragos ambientais ocorram debaixo do nosso nariz, como a mineração sobre os mananciais que abastecem Belo Horizonte. Vamos frear a fúria depredadora das mineradoras que tanta destruição já fizeram no nosso quadrilátero ferrífero e na moldura natural de Belo Horizonte que é a Serra do Curral. Precisamos trazer a público a intenção da Minerações Brasileiras Reunidas – MBR - de abrir nova mina, a de Capão Xavier, nas bacias de mananciais tão importantes para o abastecimento público de 3.000.000 de belorizontinos, ou ao contrário vamos ficar sem água e continuar neste círculo vicioso que é construir estradas eternas nos Estados Unidos e permanecer dirigindo em estradas que só têm buracos. Continuar condenando populações inteiras à perda dos recursos naturais essenciais à vida, como as florestas nativas, a biodiversidade, a água.
A Campanha da Fraternidade deste ano, com o tema Fraternidade e Água (lema: água, fonte de vida) é um terreno propício para semearmos todas as nossas esperanças de luta e interferirmos na inércia deste maldito círculo vicioso que nos condena ao subdesenvolvimento! O estado de Minas Gerais deve continuar sendo não apenas “Minas Gerais”, mas também “Minas de Águas”. Façamos a nossa parte.

Frei Gilvander Luís Moreira
Email: gilvander@capaoxaviervivo.org


Frei e Padre carmelita; vigário da Igreja do Carmo, em Belo Horizonte; mestre em Exegese Bíblica pela Pontifício Instituto Bíblico de Roma/Itália; professor de Exegese e Teologia Bíblica de Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos; assessor bíblico de CEBI, SAB, CEBs, CPT, MST e PO.

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