Água,
princípio da vida!
Em Capão Xavier: água para o abastecimento ou mineração?
O artigo publicado no Jornal de OPINIÃO (10 a 16/5/2004, n. 780, Ano 16, p. 2), Água ou mineração? Os dois!, de Leandro Quadros Amorim, representante da MBR – Minerações Brasileiras Reunidas S/A -, é um festival de falácias, de sofismas, de contradições e de desrespeito. Se acontecer a mineração em Capão Xavier, o que esperamos que não aconteça, comprometerá os mananciais de Abastecimento Público e causará sim estragos ambientais irrecuperáveis. O tempo mostrará como é MENTIRA a oitava maravilha preconizada pela MBR que inclui até a promessa de “multiplicar as águas”.
No início, diz o autor: “As mobilizações contrárias ao projeto de mineração em Capão Xavier são legítimas e inquestionáveis, porém equivocadas.” Dar uma colher de chá cheia de veneno? Como pode ser legítimo/inquestionável e equivocado, ao mesmo tempo?
É falácia apregoar que não estamos diante de uma escolha: água ou mineração. No caso concreto de Capão Xavier, trata-se de uma escolha, sim. Ou água para o abastecimento de 9% da população de Belo Horizonte (7% da região metropolitana - 320.000 pessoas), para a flora, a fauna e para assegurar o abastecimento para as gerações futuras ou 173 milhões de toneladas de ferro de alto teor - 6,5 bilhões de reais - para MBR (Vale do Rio Doce e seus acionistas). Diante do caso concreto, o que deve prevalecer: o interesse público ou o privado?
O representante da MBR diz: “O projeto não só é compatível como irá aumentar permanentemente a disponibilidade da água de boa qualidade nos mananciais situados em suas proximidades. Assim, teremos a água, a preservação ambiental, a manutenção da biodiversidade, ...” Basta! Enquanto houver o rebaixamento para a mineração, vai sobrar água. Mas, e depois? Como fornecer água para o abastecimento público e armazenar água para preencher o enorme buraco formado?
Prometer realizar o milagre da multiplicação das
águas chega a ser ridículo. A MBR é deus? Pretende ser melhor do que o Deus
criador? No início, diz a
Escritura, “o Espírito pairava sobre as águas”. A água é o princípio de toda
vida, pois todas as formas de vida vêm da água e não do ferro. A biodiversidade
assegura a resiliência, isto é, a capacidade de se reconstituir. Se Deus e a
evolução da criação, em bilhões de anos, geraram um belíssimo ecossistema, em
uma biodiversidade fantástica, com seres humanos, animais, vegetais e minerais
convivendo, de forma harmônica, formando uma grande comunidade de vida, não
seria arrogância imperdoável arrancar parte do corpo da terra de Capão Xavier
para, pretensamente, efetuar um milagre de multiplicação das águas? A
tecnologia, no respeito, pode ajudar a natureza, porém, no desrespeito, jamais
poderá substituí-la.
Um dos piores legados que a mineradora MBR quer nos deixar é um lago, apresentado como a grande solução ambiental para o futuro. O “estudo de avaliação ambiental do futuro lago” decreta o sepultamento definitivo do projeto que visa minerar Capão Xavier, pois nele estão evidentes os riscos ambientais a que estará exposta a população de nossa cidade. Hoje ali nascem águas de classe especial, naturalmente protegidas por um ecossistema que abriga espécies vegetais e animais. As águas do futuro lago são dadas como de classe 2, e não poderia ser diferente pois elas nem existem. Some-se a previsão do aparecimento de gás sulfídrico no lago, de odor repugnante. Além do gás sulfídrico, poderá haver o surgimento de algas azuis, as chamadas cianofíceas, cujo metabolismo transforma nutrientes em gazes e formações altamente tóxicas como o próprio cianureto letal.
Fenômeno ainda mais grave que ocorrerá de forma natural ao longo do tempo no lago é a eutrofização - água com super-alimentação de nutrientes. Será responsável pela formação no ambiente lacustre de cheiro e odor repugnantes, tornando o lago impróprio até mesmo para o banho. As águas de ambientes eutrofizados apresentam graves problemas para o seu tratamento. O fato de não existir, em águas temperadas, lagos com tal profundidade torna esta proposta uma arriscada aventura.
Acrescenta o representante da MBR que “a mina de Capão Xavier situa-se próxima às unidades de conservação...” É bom que se diga que não é apenas próximo, mas está parcialmente dentro da Área de Proteção Especial – APE - da Mutuca (20% da cava está dentro do terreno da APE) e da Área de Proteção Ambiental – APA - da Região Sul de Belo Horizonte. Essas duas áreas têm como objetivo principal a preservação dos Recursos Hídricos.
E mais, afirma que “o projeto conta com um plano de gestão de águas.” Não é verdade! Ainda é tudo uma incógnita, conforme questiona o Ministério Público. O licenciamento ambiental, feito, de forma ardilosa, por FEAM E COPAM foi dado parcialmente e ainda não concedeu à mineradora a permissão para fazer o rebaixamento do lençol freático em Capão Xavier. Parar esse empreendimento no meio da exploração será muito mais difícil e o dano ambiental já estará consumado.
Outra afirmação que deve ser combatida é a seguinte: “A MBR bombeará água gratuitamente para os mananciais.” Esse bombeamento é apenas e tão somente para viabilizar os interesses econômicos do empreendedor. O minério de ferro de alto teor será exportado a preço injusto para o mercado internacional e deixará em seu lugar uma enorme cratera. Além de expor ao risco da escassez de água, ao desabastecimento, milhares de pessoas, ameaça de destruição a flora e a fauna, do presente e do futuro na região de Capão Xavier.
Segundo os documentos apresentados à FEAM e ao COPAM, se for iniciada a mineração de Capão Xavier, as águas do córrego de Fechos terão sua vazão natural reduzida substancialmente, em 40% diz a empresa Frasa. Também os córregos de Catarina e Barreiro sofrerão redução significativa, em torno de 20%, além de impactos irreversíveis em sua zona de proteção. Assim sendo, fere flagrantemente a Lei Estadual n. 10.793/92, pois coloca em risco a qualidade das águas, não apenas em níveis mínimos, mas em níveis elevados. Quantidade e qualidade são inseparáveis. Se diminuir muito a quantidade é claro que afeta a qualidade.
Não foram outros os motivos que levaram o prefeito Belo Horizonte, Célio de Castro, no final da década de 90, a negar autorização à MBR para construir uma estrada sobre os terrenos desapropriados para captação e adução de água na região, o que viabilizaria a implantação da Mina de Capão Xavier, pois é necessária uma estrada para ligar a eventual Mina à extinta Mina de Mutuca, onde pretende a empresa processar o minério e escoar a produção. A Câmara de Vereadores manteve o veto, pois se tratava de algo ilegal e imoral, uma vez que desvia a finalidade da desapropriação: dar um fim privado ao que deve continuar sendo de interesse público. A despeito de continuar sendo ilegal e imoral, infelizmente, a atual administração municipal de Belo Horizonte autorizou a construção da estrada.
Sabemos que as
explorações minerárias da MBR já destruíram parte do nosso Patrimônio
Histórico Natural, que é a
Serra do Curral e o Pico do Itabirito; secaram nascentes do Clube Campestre e em Macacos;
prejudicaram mananciais que abasteciam
parte da população de Itabirito. Deixou uma enorme cratera em Águas
Claras sem recuperação; estragos ambientais em “Tejuco”, no Município de
Brumadinho/MG. A MBR tem sido denunciada e autuada por diversos
danos ambientais e omite informações
aos órgãos ambientais e à população de Belo Horizonte. A despeito de tudo isso
a MBR afirma que “vem minerando desde 1961 com
responsabilidade ambiental.” Só acredita nisso quem não conhece o passado
dessa mineradora.
Depois de tudo ainda promete, daqui
a 60 anos, deixar um “meio ambiente equilibrado”. Como poderá haver um
ecossistema em um local tão violentamente agredido? Já está longe o tempo em
que se acreditava na capacidade infinita de regeneração do meio ambiente.
Estamos muito mais próximos do risco da destruição pelo homem do próprio
ambiente em que vive. Esse risco aumenta significativamente diante do modelo do
pseudo-desenvolvimento da sociedade ocidental.
Finalmente podemos questionar também a afirmação de que “depois
de um processo com absoluta transparência, envolvendo ampla discussão ...”
Ora, se o projeto é tão antigo assim, porque somente após a obtenção da
primeira liminar na justiça, em 17 de dezembro de 2003, a população de Belo
Horizonte veio efetivamente tomar conhecimento do projeto em Capão Xavier?
Por todos os motivos,
acima apresentados, é que lutamos contra esse projeto de explotação de minério
da MBR, em Capão Xavier. No nosso entendimento o projeto é ilegal, porque fere as leis
ambientais; é imoral porque rompe com uma história de mais de cem anos
de preservação daqueles mananciais de abastecimento público e porque
desmoraliza as instituições públicas que foram coniventes ou omissas; é prepotente
quando desafia a vontade divina e se arvora em multiplicador de águas; é irresponsável,
quando submete a população de toda a cidade aos riscos de um holocausto
ambiental. Enfim, desrespeita o direito à vida das próximas gerações e fere o direito da flora e da fauna ali
existentes.
Quem viver verá! O Movimento Capão Xavier Vivo vai
continuar mobilizando forças, denunciando as irregularidades, chamando à
responsabilidade as autoridades públicas competentes e interpelando a Justiça
para que as leis ambientais sejam respeitadas. O objetivo do Movimento é
impedir que esse projeto ilegal e imoral venha a efetivar-se. A sociedade civil
está atenta e vai cobrar daqueles que se curvarem diante do poderio econômico
dessa mega-corporação que somente prima pelo lucro. São diversas as entidades
que apóiam e integram o Movimento como Igrejas, representantes da Campanha da
Fraternidade, CUT, CPT, MST, lideranças estudantis, defensores do Direito
Ambiental, Deputados, Vereadores, voluntários e um número significativo de
cidadãos ciosos de seus direitos. A natureza merece nossa entusiasta adesão, o
povo ainda merece nossa solidariedade. Mãos à obra!
Para maiores informações, email: movcapaoxavier@brfree.com.br
Home page: www.capaoxaviervivo.org
MOVIMENTO CAPÃO XAVIER VIVO