REBAIXAMENTO
DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NA REGIÃO EM TORNO DA JAZIDA DE CAPÃO XAVIER, NOVA LIMA,
MG - CENÁRIO FUTURO.
Helio Alexandre Lazarim, M.Sc.-
Professor da UFMG (MG)
Celso de Oliveira Loureiro, Ph.D.- Professor da UFMG (MG)
Resumo: Apresenta-se neste artigo um estudo sobre o cenário futuro relativo à
explotação de minério de ferro na jazida de Capão Xavier, localizada a noroeste
da província mineral do Quadrilátero Ferrífero, estado de Minas Gerais, Brasil,
e às possíveis implicações sobre os recursos hídricos locais resultantes do
rebaixamento a ser imposto no nível das águas subterrâneas na cava da mina, na
sua fase final de lavra. A área de estudo é delimitada pela bacia hidrológica
formada a partir das microbacias dos córregos Seco e dos Fechos, com aproximadamente
16 km2 de área superficial e altitude variando entre 1.500 e 1.100 metros,
estando situada a 15 km a sul do município de Belo Horizonte, nos domínios do
bairro Jardim Canadá. O estudo teve por base o desenvolvimento de um modelo
conceitual e computacional sobre a hidrogeologia local, utilizando-se do pacote
de simulação computacional VisualMODFLOW.
Os dados sobre
a área em estudo indicaram que o sistema de fluxo do aqüífero local se
apresenta de uma maneira bastante complexa, com um escoamento
caracteristicamente tridimensional. A recarga deste sistema ocorre nas porções
topograficamente mais altas (entre as cotas de 1.350 e 1.500 metros) e a
descarga se realiza, de uma maneira geral, nos eixos principais de drenagem dos
córregos Seco e dos Fechos. Uma parte significativa da descarga do sistema
ocorre nas surgências de águas subterrâneas existentes ao longo do Córrego dos
Fechos, entre as cotas de 1.200 e 1.140 metros.
De acordo com o
cenário previsto pelo modelo hidrogeológico local, o rebaixamento do nível do
lençol freático a ser realizado na futura mina de Capão Xavier deverá demandar
um bombeamento das águas subterrâneas, com uma vazão da ordem de 12.300 m3/dia.
A área de influência do cone de depressão resultante no aqüífero local proporcionará
uma diminuição dos valores de cargas hidráulicas junto às porções
topograficamente mais elevadas da região, bem como uma diminuição das vazões
encontradas atualmente nas surgências. Os resultados obtidos com a simulação
deste cenário indicaram o desaparecimento definitivo do Córrego Seco e
diminuições de mais de 38 % das vazões ao longo do Córrego dos Fechos, no final
da operação da mina.
Finalmente,
pôde-se concluir que os potenciais impactos hidrogeológicos previstos pelo
modelo poderiam ser total ou parcialmente controlados e remediados, desde que
se promovessem a formulação e a implementação efetiva de um programa cuidadoso
de gestão dos recursos hídricos da região. Tal fato deverá nortear as futuras
medidas mitigadoras que se fizerem necessárias para a explotação do minério de
ferro de Capão Xavier.
1- Introdução
O rebaixamento
do nível de água subterrânea torna-se eventualmente necessário nos planos de
lavra de algumas minas a céu aberto. Dependendo da forma de operação da mina e
das condições hidrogeológicas locais, assim como do uso dos solos e águas nas
imediações da mina, o rebaixamento do lençol poderá resultar em uma profunda
alteração nas condições de disponibilidades hídricas locais, configurando assim
um potencial risco de impacto ambiental.
Este trabalho
tem por objetivo apresentar um estudo de caso relativo aos potenciais impactos
hidrogeológicos ambientais devido à futura explotação de minério de ferro na
jazida de Capão Xavier, localizada nos domínios das rochas do Supergrupo Minas,
a noroeste da província mineral do Quadrilátero Ferrífero (Figura 1), estado de
Minas Gerais, Brasil. Mais especificamente, foi analisado um setor da bacia
hidrogeológica localizada no extremo norte do Sinclinal da Moeda, bem como as
possíveis implicações futuras decorrentes do rebaixamento do lençol d’água a
ser imposto no único sistema de fluxo existente na região.
O estudo teve
por base:
1) o
cadastramento e a interpretação potenciométrica dos piezômetros, cisternas e
poços tubulares profundos existentes na área;
2) a
interpretação dos estudos de caráter geológico e hidrogeológico anteriormente
desenvolvidos na região;
3) a elaboração
de seções hidroestratigráficas ao longo de toda a área de estudo; e,
4) o
desenvolvimento de um modelo conceitual e computacional sobre a hidrogeologia
local.
A utilização de
modelos computacionais para a simulação matemática do comportamento de
aqüíferos em áreas de minas de ferro a céu aberto, na região do Quadrilátero
Ferrífero, vem se mostrando como uma tendência recente, a exemplo do que foi
apresentado em Silva et al. (1994) e Bertachini (1994). Em particular, a região
da Jazida de Capão Xavier, tem sido amplamente estudada sob o aspecto
hidrogeológico, tendo Rubio (1996) elaborado uma série de simulações matemáticas,
de caráter preditivo, sobre o comportamento futuro do aqüífero na porção norte
do platô da Moeda.
O estudo aqui apresentado consiste em um detalhamento maior em relação às
simulações realizadas anteriormente por Rubio (1996), com um foco específico para
o Bairro Jardim Canadá e arredores, localizado imediatamente a sul da referida
jazida de Capão Xavier. A análise hidrogeológica computacional teve por base a
simulação matemática do aqüífero, em regime de escoamento estacionário e também
em caráter preditivo, representando o cenário de máximo rebaixamento do nível
d’água subterrânea a ser realizado na futura mina de Capão Xavier.
2 -
Caracterização hidrológica.
A área de
estudo é constituída por duas pequenas bacias hidrográficas caracterizadas
pelos eixos principais de drenagem do Córrego dos Fechos e do Córrego Seco
(Figura 2), com aproximadamente 16 km2 de área superficial e altitude variando
entre 1.500 e 1.100 metros, estando situada a 15 km a sul do município de Belo
Horizonte, nos domínios do bairro Jardim Canadá, entre os intervalos de
coordenadas (604.100 m - 608.900 m) UTM-E e (7.778.600 m - 7.783.800 m) UTM-N.
O regime de escoamento do Córrego dos Fechos é perene, sendo que o Córrego Seco
se apresenta essencialmente intermitente. Ao longo do Córrego dos Fechos estão
presentes três surgências de águas subterrâneas as quais garantem o seu regime
perene do escoamento. Duas destas surgências estão instaladas nos domínios de
formações ferríferas bandadas intemperizadas e a terceira, de caráter cárstico,
está instalada nos domínios de formação calcária/dolomítica..
Em termos
climatológicos observa-se na região duas estações bem definidas, sendo uma
úmida (período de águas altas), de outubro a março, e outra seca (período de
águas baixas), de abril a setembro. Trata-se de um clima tropical chuvoso com
invernos secos. Entre os anos de 1984 e 1997 a precipitação pluvial média na
região foi da ordem de 1.875 mm/ano, medida esta realizada na estação
climatológica da Mina da Mutuca, localizada aproximadamente a 3 km a nordeste
da área de estudo. No período de águas altas a precipitação pluvial média
registrada para o triênio 95-97 foi de 2131 mm/ano (Lazarim, 1999). Este valor
foi utilizado como referência para o desenvolvimento do modelo hidrogeológico computacional
aqui apresentado.
3
-Caracterização das unidades hidroestratigráficas
Na área de
estudo são encontradas quatro unidades hidroestratigráficas coincidentes com as
unidades litológicas existentes, a saber:
1) a unidade
hidroestratigráfica instalada nos filitos da Formação Batatal;
2) a unidade
instalada nas formações ferríferas bandadas (itabiritos) da Formação Cauê;
3) a unidade
instalada nos mármores dolomíticos da Formação Gandarela; e,
4) a unidade
instalada nos depósitos de coberturas cenozóicas. As três primeiras unidades
citadas anteriormente estão condicionadas ao manto de intemperismo existente
nas rochas proterozóicas da região, sendo o mesmo responsável pela abertura de
planos de fraturas e dissolução de partes minerais.
A unidade hidroestratigráfica
coincidente com os filitos da Formação Batatal tem caráter aquitardo e funciona
como uma barreira física ao escoamento da água subterrânea nas porções norte e
leste da área de estudo. Este material apresenta uma densidade de fraturamentos
insuficiente para impor características aqüíferas ao meio. Recobrindo esta
unidade estão presentes camadas com até 50 metros de solo residual avermelhado
e essencialmente argiloso.
A unidade
hidroestratigráfica coincidente com a Formação Cauê é representada por um único
corpo que constitui os dois flancos do Sinclinal da Moeda, sendo a junção entre
os flancos realizada no extremo oeste da área de estudo. Em geral possui um
caráter aqüífero e, devido à sua excessiva heterogeneidade, pode ser
subdividida em fácies hidrogeológicas. A fácies formada por itabiritos
fraturados possui porosidade fissural secundária e ocorre em profundidades
entre 100 e 600 metros. A fácies formada por corpos de hematita possui
porosidade fissural e intersticial, ambas secundárias, sendo a profundidade de
ocorrência desta porção hidroestratigráfica entre 20 e 300 metros. A fácies
denominada ocre instala-se nas porções de formações ferríferas bandadas
contendo um grande volume de material argiloso de coloração ocre intensa, fato
que lhe dá um caráter aqüitardo localizado no extremo noroeste da área de
estudo. Por último, ainda que de modo restrito, são encontradas fácies
hidrogeológicas instaladas em porções de formações ferríferas contendo material
argiloso em quantidades menores das encontradas na fácies ocre. Em geral, seu
posicionamento está junto ao contato da Formação Cauê com a Formação Gandarela.
A unidade
hidroestratigráfica coincidente com os mármores dolomíticos da Formação
Gandarela é representada por duas fácies hidrogeológicas distintas que ocorrem
ao longo da calha do Sinclinal da Moeda. A primeira possui porosidade fissural
secundária e a outra possui caráter cárstico bem observado pela presença de uma
dolina próxima ao Bairro Jardim Canadá assim como pela Surgência Cárstica dos
Fechos localizada no extremo sudeste da área de estudo.
A principal
característica da unidade hidroestratigráfica coincidente com os depósitos de
coberturas cenozóicas vem a ser a presença de porosidade primária. Trata-se de
uma unidade excessivamente heterogênea contendo fácies hidrogeológicas
coincidentes com depósitos de canga, depósitos de argila terciária e depósitos
de solo coluvionário avermelhado. Esta unidade posiciona-se no topo
estratigráfico da região e possui espessuras que variam entre 20 e 100 metros
estendendo-se em superfície ao longo de todo o setor de estudo. No tocante aos
depósitos de argila terciária, os mesmos formam "ilhas" de baixa
permeabilidade (caráter aqüitardo) através de dois corpos desconectados, localizados
a norte e a sul da área de estudo.
Na base do
manto de intemperismo, as rochas proterozóicas funcionam como uma barreira
física ao escoamento de água subterrânea, uma vez que não há, sobre as mesmas,
uma abertura dos planos de fraturas e que também não houve a dissolução das
partes silicosas carbonáticas das rochas metamórficas sãs. Tal barreira está
exposta em superfície, no extremo leste da área de estudo, onde um pequeno
corpo de formações ferríferas bandadas, sem evidências de alteração, foi
mapeado por Alkmim (1996).
4 - Modelo
hidrogeológico conceitual.
Devido a não
existência de regiões topograficamente mais elevadas nos arredores da área de
estudo, a recarga natural do sistema de fluxo de água subterrânea em questão é
feita exclusivamente pela infiltração de água das chuvas que se precipitam no
local, como proposto por Lazarim (1999). A recarga no sistema proveniente da
atividade antrópica existente no Bairro Jardim Canadá é desprezível quando
comparada à recarga proveniente da precipitação pluvial, uma vez que a
urbanização apresenta-se de forma incipiente.
Os piezômetros multicâmaras existentes principalmen
te na região da
Jazida de Capão Xavier apresentam valores diferenciados de cargas hidráulicas,
com as câmaras mais profundas indicando valores menores de cargas hidráulicas
do que as câmaras mais superficiais (Rúbio, 1996), a exemplo do que ocorre no
piezômetro PZ01 (Figura 4). Um comportamento piezométrico desta natureza
sugere, neste ponto de medida, a existência de um movimento vertical descendente
das águas subterrâneas, caracterizando assim um ponto de recarga do sistema de
fluxo em questão. As áreas de descarga deste sistema de fluxo são representadas
em geral pelos eixos de drenagem do Córrego Seco e do Córrego dos Fechos e,
principalmente, pelas surgências de águas subterrâneas existentes ao longo do
Córrego dos Fechos. Como proposto por Lazarim (1999) e Lazarim & Loureiro
(1998), admite-se, para a região do Bairro Jardim Canadá e arredores, a
existência de um único sistema de fluxo de água subterrânea, sendo o mesmo não
confinado, num sentido amplo, e instalado nas diferentes unidades
hidroestratigráficas descritas anteriormente, o que lhe dá um caráter
heterogêneo. Portanto, de acordo com o modelo idrogeológico conceitual do
local, admite-se que, na área de estudo, exista um corpo aqüífero único formado
por unidades hidroestratigráficas conectadas hidraulicamente, tendo como
limites laterais o aqüitardo coincidente com os filitos da Formação Batatal
(limites norte e leste) e os divisores hidrográficos existentes a sul e oeste
da área de estudo (Figura 3). O limite basal deste corpo aqüífero vem a ser as
rochas metamórficas proterozóicas, não intemperizadas, do Supergrupo Minas.
Desta maneira, o modelo hidrogeológico computacional, o qual será descrito a
seguir, foi implantado com base em um modelo hidrogeológico conceitual, tendo
como hipótese a existência de um único corpo aqüífero na região em estudo.
5 - Modelo
hidrogeológico computacional
O modelo
hidrogeológico computacional do aqüífero do Bairro Jardim Canadá e arredores,
incluindo a jazida de ferro de Capão Xavier, foi desenvolvido utilizando-se do
pacote de simulação computacional denominado VisualMODFLOW (Guiger, 1998).
Trata-se de um modelo com uma geometria tridimensional, estacionário no tempo,
e com condições de recarga relativas ao período chuvoso (de águas altas). A
malha de cálculo do modelo foi estruturada em 9 camadas de 50 metros de
espessura, distribuídas entre as cotas de 1.100 e 1.500 metros. As camadas
foram discretizadas com 74 linhas e 75 colunas entre os seguintes intervalos de
coordenadas (604.100 m - 608.900 m) UTM-E e (7.778.600 m - 7.783.800 m) UTM-N.
Devido à excessiva heterogeneidade do meio, optou-se por uma malha de células
indeformadas no modelo, cujo objetivo foi possibilitar uma melhor discretização
das variações das unidades hidroestratigráficas.
Os cenários
relativos ao comportamento hidrodinâmico do sistema hidrogeológico local foram
simulados, nas condições atuais e futuras, de acordo com o seguinte:
1) cenário
interpretativo,
representando a situação atual do sistema de fluxo de água subterrânea, no
período das cheias (águas altas), calibrado tanto com os dados das cargas
hidráulicas medidas nos piezômetros e cisternas existentes na área de estudo,
bem como com as medidas de vazões de descarga das surgências de águas
subterrâneas existentes na bacia hidrográfica do Córrego dos Fechos; e,
2) cenário preditivo, representando as possíveis
condições futuras do aqüífero do Bairro Jardim Canadá, no período das cheias,
decorrente do máximo rebaixamento do nível de água subterrânea a ser imposto no
sistema, na região da Jazida de Capão Xavier, previsto para a sua fase final de
lavra.
O
cenário interpretativo mostrou que a região do Bairro Jardim Canadá, definida por
Alkmim (1996) como Altiplano Jardim Canadá, funciona como uma área de recarga
do sistema de fluxo de água subterrânea em questão. A Bacia Hidrográfica do
Córrego dos Fechos, por sua vez, é a região de descarga deste sistema de fluxo,
fato bem representado através das surgências de águas subterrâneas existentes
nesta bacia. O modelo interpretativo foi finalmente considerado calibrado
quando os valores previstos de carga hidráulica se aproximaram, o máximo
possível, dos valores médios observados em campo e quando as vazões simuladas
no vertedouro do Córrego dos Fechos refletiram os valores medidos das vazões.
Nestas condições, a vazão simulada no vertedouro do Córrego dos Fechos foi de
15.834 m3/dia enquanto que a vazão medida em 12/01/98 foi de 16.870 m3/dia
(Rubio, 1998). No que diz respeito às medidas de cargas hidráulicas, o modelo
foi considerado calibrado quando o erro médio absoluto das diferenças entre as
cargas hidráulicas medidas e as cargas hidráulicas simuladas atingiu o mínimo
de 7,5 metros, aproximadamente.
Após a calibração do modelo hidrogeológico computacional, foi possível então
desenvolver um cenário preditivo, simulando o máximo rebaixamento futuro do
nível de água subterrânea a ser realizado na região da Jazida de Capão Xavier.
Os potenciais impactos hidrogeológicos resultantes deste cenário preditivo
serão descritos a seguir.
6 - Cenário
futuro de máximo rebaixamento do nível d’água na Mina de Capão Xavier
A jazida de
ferro de Capão Xavier localiza-se imediatamente a norte do Bairro Jardim Canadá
. Para sua explotação será necessário o rebaixamento do nível de água
subterrânea dentro de seus domínios até a cota de aproximadamente 1.165 metros,
pois os projetos da futura mina consideram o encerramento das atividades de
lavra na cota de 1.170 metros (Rubio, 1996). Considerando que os atuais níveis
do lençol d’água na região da jazida estão em média na cota de 1.340 metros,
prevê-se um rebaixamento total do lençol da ordem de 175 metros ao final das
atividades de lavra. Assim, a simulação deste cenário foi implementada através
da instalação de vários drenos posicionados no interior da jazida, de tal forma
que, na sua porção leste, as cargas hidráulicas mínimas atingissem 1.165 metros
e na porção oeste as cargas hidráulicas mínimas atingissem 1.190 metros. Tal
fato considera uma profundidade de mineralização maior na porção leste da
jazida (Rubio, 1996). Neste cenário preditivo de máximo rebaixamento, o modelo
computacional previu uma vazão total da ordem de 12.300 m3/dia nos drenos
posicionados no interior da jazida, o que corresponde à vazão total de
bombeamento da água subterrânea necessária para produzir o rebaixamento
previsto.
A distribuição
potenciométrica e a direção de escoamento do aqüífero na região de estudo,
previstas para o cenário futuro de máximo rebaixamento do nível d’água na Mina
de Capão Xavier, estão mostradas graficamente na Figura 6. Comparando as
Figuras 5 e 6, pode-se observar que, de acordo com as predições obtidas com o
modelo hidrogeológico computacional, o máximo rebaixamento futuro do lençol
d’água subterrâneo na cava da mina de Capão Xavier, previsto para a fase final
da lavra, deverá provocar um rebaixamento generalizado no nível das águas do
aqüífero local, com uma área de influência estendendo-se por toda a bacia do
Córrego Seco e dos Fechos. As águas que atualmente são drenadas pela microbacia
do Córrego Seco seriam, neste cenário futuro, desviadas para a cava da mina
devido ao intenso bombeamento a ser promovido na mina. Nestas condições, o
nível potenciométrico do lençol, sob o leito de escoamento do Córrego Seco,
seria rebaixado de 90 a 130 metros abaixo do talvegue do córrego, fazendo-o
desaparecer definitivamente.
Na região do
platô topográfico do Bairro Jardim Canadá, o rebaixamento previsto para o nível
do lençol d’água seria da ordem de 50 a 70 metros, o que resultaria na
desativação da maioria das cisternas e poços tubulares de águas subterrâneas
atualmente em operação no bairro.
O rebaixamento generalizado no nível das águas do aqüífero local irá provocar
também uma diminuição na vazão total do Córrego dos Fechos. A discussão que se
segue sobre os aspectos principais do cenário de máximo rebaixamento das águas
subterrâneas, na mina de Capão Xavier, será direcionada principalmente para a
avaliação da diminuição:
1) nas vazões
de descarga das águas subterrâneas na região da Surgência Cárstica dos Fechos;
e,
2) nas vazões
de descarga do Córrego dos Fechos como um todo, considerando as contribuições
finais das surgências de águas subterrâneas de Fechos Auxiliar e Fechos
Galeria.
Região da
Surgência Cárstica dos Fechos
A Surgência
Cárstica dos Fechos localiza-se no setor sudeste da área de estudo, junto ao
córrego homônimo (Figuras 2 e 3). Trata-se da principal surgência de água
subterrânea existente na região de entorno da Jazida de Capão Xavier, sendo
responsável pelo caráter perene do Córrego dos Fechos.
Na Tabela 1 estão representadas as vazões de descarga de água subterrânea,
simuladas na região próxima da Surgência Cárstica, nos seguintes trechos do Córrego
dos Fechos:
1) a montante
do ponto de contribuição da surgência;
2) na surgência
cárstica, propriamente dita;
3) a jusante da
surgência, até o vertedouro; e,
4) no
Vertedouro Fechos Principal, representando o somatório da contribuição dos três
setores anteriores. Os valores de descarga medidos na surgência e no vertedouro
(Rubio, 1998) também estão representados na Tabela 1. As simulações foram
feitas pelo modelo hidrogeológico computacional, nas condições atuais (modelo
interpretativo) e nas condições futuras de máximo rebaixamento das águas
subterrâneas na Mina de Capão Xavier (modelo preditivo).
Conforme pode
ser observado, o valor simulado para a vazão de descarga na Surgência Cárstica,
nas condições atuais, de 12.050 m3/dia, está bem próximo do valor medido em
campo, da ordem de 12.960 m3/dia, apresentando uma discrepância de 7 %. O valor
computado para a vazão no Vertedouro Fechos Principal, de 15.834 m3/dia, também
se compara satisfatoriamente com o respectivo valor medido em campo, de 16.870
m3/dia, com uma diferença de apenas 6 %.
De acordo como
o modelo do cenário preditivo, as vazões de descarga de água subterrânea no
Córrego dos Fechos deverão sofrer uma futura redução, com valores variáveis de
acordo com o trecho considerado no córrego. Assim, o trecho definido a montante
do ponto de contribuição da Surgência Cárstica, com uma vazão atual simulada de
1.493 m3/dia, deverá apresentar uma nova vazão de descarga de 583 m3/dia,
representando uma redução de 61%. Por sua vez, o respectivo trecho do córrego a
jusante da surgência cárstica, até o vertedouro, terá a sua descarga reduzida
em 26%, ou seja, de 2.291 para 1.696 m3/dia. A Surgência Cárstica, considerada
como o principal contribuinte para o regime perene de escoamento do Córrego dos
Fechos, terá a sua vazão de descarga diminuída de 12.050 para 7.460 m3/dia,
significando uma redução de 38%. Em conjunto, no ponto de medida do Vertedouro
Fechos Principal, o Córrego dos Fechos deverá sofrer uma redução total de vazão
de um pouco mais de 38%, diminuindo de 15.834 para 9.739 m3/dia.
Tabela 1 - Representação
das vazões de descarga de água subterrânea na região da Surgência Cárstica de
Fechos, nos trechos do Córrego dos Fechos a montante do vertedouro. As vazões
foram simuladas pelo modelo hidrogeológico computacional, nas condições atuais
(modelo interpretativo) e nas condições futuras de máximo rebaixamento das
águas subterrâneas na Mina de Capão Xavier (modelo preditivo).
Região do
modelo |
Vazão medida
(m3/dia) |
Vazão simulada
nas condições atuais |
Vazão simulada
nas condições futuras de rebaixamento (modelo preditivo) (m3/dia) |
Diminuição de
vazão simulada (m3/dia) |
Surgência
Cárstica dos Fechos |
12.960 |
12.050 |
7.460 |
-4.590 |
Montante da surgência cárstica |
------ |
|
583 |
-910 |
Jusante da
surgência cárstica |
------ |
2291 |
1696 |
-595 |
Vertedouro
Fechos Principal(*) |
(**) 16.870 |
15.834 |
9.739 |
6.095 |
Região do modelo |
% de diminuição das vazões simuladas |
|||
Surgência Cárstica dos Fechos |
-38% |
|||
Montante da surgência cárstica |
-61 % |
|||
Jusante da
surgência cárstica |
-26 % |
|||
Vertedouro Fechos Principal(*) |
-38 % |
(*) -
Representa o somatório das vazões dos três setores do Córrego dos Fechos
identificados acima.
(**) - Medida realizada em 12/01/98 (Rubio, 1998) considerada como
correspondente ao cenário de águas altas do modelo computacional interpretativo
em questão.
Vazão de
Descarga no Córrego dos Fechos como um Todo
Além da
Surgência Cárstica dos Fechos, outras duas surgências de águas subterrâneas são
encontradas na microbacia de drenagem do Córrego dos Fechos, a saber: Fechos
Auxiliar e Fechos Galeria. Ambas estão localizadas a jusante do Vertedouro
Fechos Galeria, no domínio hidroestratigráfico coincidente com a Formação Cauê,
e contribuem para a composição final da vazão de descarga total do Córrego dos
Fechos. Na Tabela 2 estão listados os valores medidos (Rubio, 1998) e simulados
da descarga de águas subterrâneas nestas surgências e no vertedouro Fechos
Principal. Também estão listados os valores estimado e simulados da descarga
total no Córrego dos Fechos. Como pode ser observado, o valor atual simulado
pelo modelo preditivo para a vazão de descarga total do Córrego dos Fechos, de
19.415 m3/dia, se aproxima do valor estimado em campo, de 21.888 m3/dia, com
uma discrepância de 11%, considerada aceitável para uma simulação desta
natureza.
De acordo com
as previsões apresentadas, o rebaixamento do lençol na mina de Capão Xavier
deverá resultar em uma redução na vazão total do Córrego dos Fechos, do valor
atual de 19.415 m3/dia para uma vazão final de 11.802 m3/dia, representando uma
variação de 39%, com uma perda total de vazão de aproximadamente 7.600 m3/dia.
Balanço Hídrico
Final
Conforme
mencionado anteriormente, o rebaixamento do nível do lençol freático na cava da
mina de Capão Xavier, na sua fase final de lavra, deverá ser proporcionado
através do bombeamento localizado de cerca de 12.300 m3/dia de águas
subterrâneas. Deste volume total de água, cerca de 7.600 m3/dia serão obtidos
da bacia de drenagem do Córrego dos Fechos, com a conseqüente redução da sua
vazão de descarga pelo mesmo valor. A diferença restante, ou seja, 4.700
m3/dia, será fornecida pelo desvio integral das águas atualmente drenadas pelo
Córrego Seco.
Tabela 2 -
Quadro comparativo entre as vazões de descarga de água subterrânea nos trechos
do Córrego dos Fechos a jusante do vertedouro. As vazões foram simuladas nas
condições atuais (modelo interpretativo) e nas condições futuras de máximo
rebaixamento das águas subterrâneas na Mina de Capão Xavier (modelo preditivo).
Tabela 2 - Quadro
comparativo entre as vazões de descarga de água subterrânea nos trechos do
Córrego dos Fechos a jusante do vertedouro. As vazões foram simuladas nas
condições atuais (modelo interpretativo) e nas condições futuras de máximo
rebaixamento das águas subterrâneas na Mina de Capão Xavier (modelo preditivo).
Região
do modelo (m3/dia) |
Vazão
medida (m3/dia) |
Vazão
simulada modelo interpretativo (m3/dia |
Vazão
simulada modelo preditivo (m3/dia) |
Diminuição
de vazão simulada (m3/dia) |
%
de diminuição das vazões simuladas (m3/dia) |
Surgência Fechos Auxiliar |
3.780 |
3.084 |
1.586 |
-1.498 |
-49% |
Surgência
Fechos Galeria |
1.238 |
497 |
477 |
-20 |
-4% |
Vertedouro
Fechos Principal (*) |
16.870 |
15.834 |
9.739 |
-6.095 |
-38% |
Descarga total
(**) |
21.888 |
19.415 |
11.802 |
-7.613 |
-39% |
(*) Representa o
somatório das vazões dos três setores do Córrego dos Fechos identificados na
Tabela 1.
(**) Representa a estimativa do valor de campo, dado pela somatória dos valores
de vazão medidos nas surgências Fechos Auxiliar, Fechos Galeria e Fechos
Principal (Rubio, 1998).
Perspectivas do
Controle Hidrogeológico Ambiental
Em termos
absolutos, os potenciais futuros efeitos hidrogeológicos, decorrentes do
cenário de máximo rebaixamento do lençol na cava da mina, conforme aqui
apresentados, poderiam conduzir a impactos ambientais significativos para a
região. No entanto, estes eventuais impactos poderiam ser evitados ou
remediados, de uma maneira integral ou parcial, desde que se conceba, e se
estabeleça efetivamente, um programa de aproveitamento integrado dos recursos
hídricos locais, garantindo a disponibilidade das águas removidas na mina e
promovendo o abastecimento complementar das entidades potencialmente
prejudicadas assim como a eventual redistribuirão das parcelas retiradas de
água, de volta para as coleções naturais afetadas. De acordo com Amorim (1999),
esta preocupação já é uma realidade, devendo orientar a formulação dos planos
de explotação da mina de ferro de Capão Xavier, garantindo uma gestão adequada
das águas retiradas da mina e a minimização dos impactos hidrogeológicos
ambientais.
7 - Conclusões
Neste trabalho
foi desenvolvido e proposto um modelo hidrogeológico conceitual para a região
do Bairro Jardim Canadá e arredores, com o objetivo de analisar as potenciais
futuras influências, no aqüífero local, resultantes do máximo rebaixamento das
águas subterrâneas previsto para o final das operações de lavra da vizinha mina
de ferro de Capão Xavier.
De acordo com o modelo conceitual proposto, o sistema hidrogeológico local se
apresenta como um corpo aqüífero único, não confinado, com uma hidrodinâmica
complexa de escoamento essencialmente tridimensional, condicionada pelos
desníveis topográficos e pela heterogeneidade litológica, característicos da
região.
Como ferramenta
para a realização da análise, o modelo hidrogeológico conceitual foi
implementado em um modelo hidrogeológico computacional utilizando-se do pacote
de simulação VisualMODFLOW. Dois cenários foram então analisados: o primeiro,
de caráter interpretativo, representando em regime estacionário as condições
atuais de escoamento das águas subterrâneas; e, o segundo, de caráter
preditivo, também em regime estacionário, simulando os aspectos futuros de
escoamento das águas subterrâneas e de vazão dos córregos da região, sob a
influência do rebaixamento das águas na cava da mina, previsto para a fase
final de lavra. Ambos os cenários foram concebidos em um período hidrológico
chuvoso, ou de águas altas.
Comparando os
resultados simulados pelo modelo hidrogeológico computacional com os valores de
cargas hidráulicas e de vazões, medidos nos pontos de calibração e nos eixos de
drenagem natural existentes na área de estudo, pode-se concluir que o modelo
computacional aqui apresentado reflete de forma satisfatória o comportamento
hidráulico atual do sistema de fluxo de água subterrânea em questão. Representa
assim, adequadamente, o corpo aqüífero único instalado no Bairro Jardim Canadá
e arredores, cuja principal característica vem a ser a sua dinâmica
tridimensional, determinada pela topografia acidentada e pela excessiva
heterogeneidade imposta ao meio pelas diferentes unidades hidroestratigráficas
presentes.
Com relação ao cenário futuro decorrente do rebaixamento máximo, de cerca de
175 metros, do nível das águas subterrâneas na mina de Capão Xavier, os
resultados das simulações realizadas indicaram que:
1 - para se realizar o rebaixamento do lençol será necessário promover um
bombeamento das águas subterrâneas na cava da mina, com uma vazão da ordem de
12.300 m3/dia;
2 - um
bombeamento, com esta vazão, resultaria no rebaixamento generalizado do nível
do lençol freático em toda a região do bairro Jardim Canadá, alterando
radicalmente o regime atual de escoamento das águas subterrâneas, com uma área
de influência mais pronunciada na parte norte da região, sob a bacia do Córrego
Seco, porém estendendo-se até a região sul, na bacia de drenagem do Córrego dos
Fechos;
3 - sob a calha
de escoamento do Córrego Seco, o nível d’água do lençol freático seria reduzido
de 90 a 130 metros abaixo do talvegue, resultando no desaparecimento definitivo
do córrego;
4 - as águas
subterrâneas atualmente drenadas pelo Córrego Seco durante o período das águas
altas, com uma vazão representativa de 4.700 m3/dia, seriam totalmente
desviadas para a cava da mina;
5 - na região
atualmente urbanizada do bairro Jardim Canadá, o nível do freático seria
rebaixado a cerca de 50 a 70 metros abaixo dos níveis atuais, resultando no
secamento da maioria das cisternas e poços de água subterrânea atualmente ali
instalados;
6 - a vazão de
água subterrânea encontrada na Surgência Cárstica dos Fechos, cujo valor é
pouco variável e garante o caráter perene no regime de escoamento do Córrego
dos Fechos, sofreria uma redução de 38% aproximadamente, passando dos atuais
12.000 m3/dia, para uma vazão futura de cerca de 7.500 m3/dia;
7 - a vazão de
descarga total do Córrego dos Fechos seria reduzida de 39%, passando do valor
atual de aproximadamente 19.400 m3/dia, representativo das condições de águas
altas, para uma vazão futura de cerca de 11.800 m3/dia, com uma redução total
na vazão de cerca de 7.600 m3/dia; e,
8 - em resumo,
do volume total de água subterrânea a ser bombeado na cava da mina, a uma taxa
de 12.300 m3/dia, cerca de 4.700 m3/dia serão provenientes do desvio integral
das águas anteriormente drenadas pelo Córrego Seco e cerca de 7.600 m3/dia
serão retirados da bacia de drenagem do Córrego dos Fechos.
Finalmente,
pode-se concluir que os potenciais impactos hidrogeológicos acima listados
poderão ser total ou parcialmente controlados e remediados através da
formulação e implementação de um programa cuidadoso de gestão dos recursos
hídricos da região. Tal fato deverá nortear as futuras medidas mitigadoras que
se fizerem necessárias para a explotação do minério de ferro de Capão Xavier.
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Autores
Helio Alexandre Lazarim
Celso de Oliveira Loureiro
Movimento Capão Xavier
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